“Passou por dentro do sutiã?”, pergunta a técnica de som que ajuda Sandy a pôr um fio do microfone sob três camadas de roupa. Além da peça íntima, ela usa uma blusa bege e um suéter azul surrado. O aplique nos cabelos vai até o meio das costas.
Sandy faz que sim com a cabeça enquanto se transforma na personagem Bruna, de seu primeiro filme “adulto”, “Quando Eu Era Vivo”. E rodopia ao ser enrolada em pedaço de pano que prende o fone à sua cintura finíssima.
Ela teve de refazer as unhas para o último dia de filmagem, no 16º andar de um edifício antigo na avenida São Luís, no centro de São Paulo. Sua personagem, uma estudante de música que desenvolve uma relação bem fora dos padrões com o filho do seu locatário, usa somente uma coloração amarronzada da marca Chanel.
“Tô há três semanas com o mesmo esmalte. Mas ontem tive um outro trabalho, de Sandy, e mudei a cor”, conta à repórter Anna Virginia Balloussier, falando de si em terceira pessoa. Os produtores não permitiram imagens dela caracterizada.
A produção “B.O.” (“baixo orçamento”, no jargão do mercado cinematográfico) foi justamente isso para ela: uma chance de sair do papel “de Sandy”, a menina que, entre 1990 e 2007, alcançou “números estrondosos e assustadores” de vendas fazendo dupla com o irmão, Junior.
O filme é baseado em “A Arte de Produzir Efeito sem Causa”, de Lourenço Mutarelli, autor de obras da literatura paulista “underground”, como “O Cheiro do Ralo”. O roteiro chegou à caixa de e-mail dela no fim de 2011. Sandy deu “sinal verde” já na primeira reunião com o diretor Marco Dutra, que até então só tinha um longa no currículo –“Trabalhar Cansa”, exibido no Festival de Cannes.
“Vou fazer 30 anos [em janeiro]. Sei que sou jovem, mas tenho 22 anos de carreira. E já vivi de tudo, já experimentei de tudo. Já trabalhei com a gravadora pressionando, com aquela responsabilidade em relação ao público. Já vendi muito. Daqui para frente acho que me sinto muito livre. E esse filme faz parte dessa fase. De balzaquiana quase aposentada.”
Quando percebe o que acabou de falar, gargalha e se afunda no sofá do quarto que virou camarim coletivo para todos os atores do filme, entre eles Antonio Fagundes. “Vixi, peraí, soltei uma bomba e agora tenho que acudir!”
“Não é que estou quase aposentada”, explica. “Me sinto como uma pessoa que já tem muito tempo no trabalho, que tem liberdade para ser o que é. É isso, entendeu?”
Até o fim do ano, a Sandy cantora lança um EP (álbum com menos faixas do que um CD tradicional). Já gravou o primeiro clipe do novo trabalho: “Aquela dos 30”.
Para se trocar, pede ao único rapaz na área que saia do quarto. E se enfia em novo figurino: top florido (barriguinha à mostra), calça esportiva e tênis de ginástica. Sandy gravava suas últimas cenas durante seis horas.
Para encarar uma das cenas, ela precisou se medicar. Enquanto corre na esteira, Bruna come um brigadeiro oferecido pelo protagonista –interpretado por Marat Descartes, que usa peruca sobre a calvície e passa parte do filme de cueca samba-canção. Intolerante a lactose, Sandy toma “um remedinho” quando precisa (ou deseja) comer derivados de leite.
Ela se desconcentra e ri quando o diretor grita “luz, câmera… ‘a-Sandy’!”. O foco volta rápido para a atriz, que faz questão de conferir o resultado no monitor de Dutra. Elogia o diretor de 32 anos. “Agora, a nova geração se destaca em tudo. Não tem que ter preconceito. Pelo contrário, tem que incentivar, né?”
Da mesa farta do lanche, prova só o caldo de abóbora. Pede uma omelete para a cozinheira. Na primeira garfada… “Ô, Lilizinha, tá frio!”
Já para almoçar, coloca óculos escuros para cruzar a rua da Consolação até chegar ao restaurante do Novotel Jaraguá. Não costumava ser reconhecida. Nos dez dias em que filmou, dormia num hotel de Higienópolis ou voltava com motorista para Campinas, onde mora com o marido, o músico Lucas Lima.
Após as filmagens, viajou com Lucas a Chicago. Um dos objetivos era conhecer a prisão do seriado “Prision Break”. Fala com entusiasmo sobre as mais de dez séries que vê na internet, como “Dexter”, sobre um “serial killer” que mata outros assassinos.
Ajeita-se na cadeira de plástico, daquelas de piscina, e conta sobre a experiência de ser dirigida. “Não estou acostumada. Tenho as rédeas, decido tudo. Aqui é perda de controle, mas relaxo. É libertador, de certa maneira.”
Outra libertação pela qual passa é a de não se aborrecer mais com a pecha de “certinha”. Embora ainda acompanhe “mais do que gostaria e deveria” o que sai sobre ela na mídia. Inclusive o alvoroço que uma frase sua causou na internet no ano passado. A fala, sobre ser “possível ter prazer com sexo anal”, foi extraída sem contexto de longa entrevista à “Playboy”.
“Antigamente, ficava muito chateada. Vejo mais coisa errada sobre mim do que reportagens que seguem à risca [o que digo].Já vi matérias inteiras inventadas.”
Exemplo recente aconteceu com a sua participação no filme. “Falaram que eu era uma estudante sensual e, depois, que eu tinha cenas quentíssimas. Não sabia que tinha assinado uma cláusula dizendo que ia fazer cenas nuas!”, ironiza. Não fez.
A Sandy atriz aparece em intervalos. Foi a riponga Cristal da novela “Estrela-Guia”(2001) e, no começo do ano, interpretou “A Reacionária do Pantanal” na série “As Brasileiras”. Estrelou o seriado “Sandy & Junior” de 1999 a 2003. No cinema, ela e o irmão embarcaram em 2003 num fracasso: a ficção científica “Acquária”, sobre uma Terra sem água. Tudo com o selo Globo.
Aposta que não será a mesma depois de viver a Bruna, uma personagem densa que a fez mergulhar em um mundo de frustrações. “Inclusive as minhas”, diz Sandy. “Quando chego em casa, meu marido e minha mãe falam que tem alguma coisa diferente. Que eu estava me esforçando para ser carinhosa, mas estava distante.”
Com frases pontuadas por um riso fininho no final, ela continua: “Entrei em contato com um lado meu que ninguém conhece. Tenho uma atraçãozinha pelo que é dramático, pelo que é feio, é horroroso, é absurdo. Pelo que ninguém quer mostrar”.
Outro momento em que seu “lado fofo” foi à lona: sua paixão por MMA (antigo vale-tudo). Em maio, enquanto o lutador Pezão sangrava no ringue, Sandy causou frenesi midiático ao publicar no Twitter: “Essa luta foi, literalmente, ‘sangue no zoio’!”
Ela, que improvisou uma miniacademia de boxe em casa, lembra que o lutador Anderson Silva “faz sobrancelha”, e Vitor Belfort “é um amor, evangélico, que só fala da família”. Prova de que “as pessoas são múltiplas, não adianta estereotipar. Por isso não gosto quando alguém me põe um rótulo”.
“Aprendi a lidar. Tiro o peso de mim. Não é minha culpa. Quem quiser gostar, vai gostar, quem quiser ouvir, vai ouvir”, afirma Sandy, aprendendo a se virar nos 30.